“Antes de chegar à Clínica levava comigo a vontade de ajudar e dar algo de mim a quem mais precisava, mas surpreendi-me. Na verdade, recebi mais do que aquilo que ofereci. Tentei dar o melhor de mim, tentei não pensar em mim mas sim nos doentes e posso dizer que consegui. Mas não fui, de todo, a única a conseguir, porque eles também conseguiram… conseguiram chegar-me ao coração, fizeram-me crescer, chorar, sorrir… fizeram-me acreditar que sou capaz de ultrapassar medos e traçar horizontes. Fizeram-me ver que não são menos do que ninguém nem tão pouco diferente… porque os diferentes somos nós que vivemos neste mundo de cá de fora, este mundo real. Pois somos nós que conscientemente entramos em constantes conflitos, que conscientemente pensamos que tudo gira à nossa volta, que somos mais que alguém, que podemos tudo, que temos tudo. E podemos até ter muito, mas o que realmente importa nem sempre está presente no nosso dia-a-dia. Preocupamo-nos tantas vezes com o nosso próprio nariz, com os nossos problemas e tantas vezes somos egoístas que não vemos, ou não queremos ver, que há sempre alguém que precisa de ajuda, que se sente pequeno, que está sozinho na longa caminhada, que caiu e não tem forças suficientes para se levantar.
Enquanto estive na unidade que me foi determinada senti-me útil e não dei utilidade…senti-me útil porque ajudei que precisava de mim, e não dei utilidade a televisão, rádio, telemóvel ao mundo que girava lá fora, pois eu sem certezas, explorava um mundo de inocência.
Foi ao ver cada um dos doentes e avaliando a sua situação que parei, olhei para mim mesma e pensei: “Do que vale ter tudo, se de repente tudo nos escapa das mãos e ficamos sem nada?” ou até “Porque nos preocupamos tantas vezes com coisas que não têm significado algum, quando há alguém que tem menos que nós?”.
Foram tantas as emoções que vivi, os momentos únicos que presenciei e os pensamentos que representei que afirmam que só quem por lá passa reconhece o verdadeiro significado de tudo que acabei de enumerar.
Cada uma das pessoas estava ali por algum motivo, escondidas por qualquer história. Emocionei-me com cada sentido, escondi lágrimas e mostrei sorrisos. Mas queria chorar quando os doentes não queriam mais senão um abraço, uma demonstração de carinho, um gesto de atenção, um simples beijo na face. Queria chorar quando alguns chegavam até mim e procuravam numa pessoa que não conheciam talvez a presença de quem os esqueceu ou deixou de os visitar. Queria chorar quando ouvia “Filha”, “Mãe”, “Minha querida”, “Obrigado”. Palavras que podiam até não estar programadas na cabeça mas que acredito terem saído do coração.
Mais tarde, no momento em que o grupo fez a sua reflexão sobre o fim-de-semana, apenas o coração falou e aí sim, chorei. Chorei de tristeza, pela realidade que vi, mas também de alegria. Senti que o dever estava cumprido e com ele a vontade de repetir a experiência.
Quanto ao grupo, posso dizer que foi fantástico. Cada um tinha algo de si para dar e mostrar e desde cedo houve uma ligação forte entre nós, talvez pelo facto de estarmos direccionados para o mesmo lado, juntos por um objectivo comum. As irmãs também foram excepcionais, pessoas incansáveis que nos fizeram sentir que estariam presentes se em algum momento precisássemos. Pelo trabalho que desempenham e pelo espírito de entrega que possuem não há dúvida que estão no sítio certo, onde mais precisam delas.
Foi uma experiência que aconselho aos jovens pois faz-nos crescer, entender coisas que até então não percebemos, ajuda-nos a encontrar um sentido.
Foi neste espírito que recebi mais uma vez que mais difícil do que sermos melhores do que os outros (além de não o sermos) é superarmo-nos a nós mesmos."
Aqui fica mais um relato de uma jovem que lidou com pessoas portadoras de doença mental.
Esta actividade realizou-se no fim de semana de 17 a 19 de Outubro na Clínica Psiquiátrica de S.José em Telheiras - Lisboa.